sentimentos/palavras são meu rio, meu mar de ondas frescas de vozes e riso. palavras têm cheiro de chuva e de combustível, me jogam flores na cara. também, uma queda para a frente que um pensamento adia e repassa adiante [a tristeza nos olhos (abismo marrom)]. reflexo visto pela alma que olha? talvez. a luz cintilará, contudo, caso o salto aconteça. se as asas superarem o medo do mar, do céu, da imensidão.
dá pra ver muitas coisas, mas não tudo. nem daqui do alto, nem lá do chão, nem de nenhum outro lugar. saber mais é, em muitos casos, sofrer mais também. é que alguns reconhecimentos, apesar de libertadores, são duros de fazer, incluem questões que se alastram por tempo demais, limitando a perspectiva de felicidade. um culto à olhar para o céu e saber se o dia seguinte será de sol ou de chuva. se a maré vai encher ou vai vazar. se o pescador vai pro mar ou vai ficar. que fruta é a da estação. um culto à vida simples. às nossas origens. esquecidas.
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então é algo mais ou menos assim: sempre que posso, finjo ser uma borboleta completando ciclos nascendo, vivendo e morrendo a cada dia. por mais que você se adentre, por mais perto que você chegue tudo se desdobra, tudo ramifica e quando dou por mim a dor passou e os apelos não servem para mais nada. é quando me dispo dos climas ruins e das minhas tempestades. sou quase feliz na minha paisagem. penso que se fizermos um talho profundo, a profundidade lhe escapa o que se abre são novas superfícies, frescas e vivas. não há dentro, não há centro, não há fundo. quanto mais se olha, mais os detalhes dão cria, mais a complexidade viceja. não existe perda, existe movimento...
ainda sentimos um dia mágico ? aquele onde o capturado é fugidio, o inventado foge e flui, por entre as malhas matizadas das letras, dos pensamentos, das emoções etéreas? acredito que quando os limites se transformam em limiares, a mágica acontece para todos os possíveis, aquém e além do explicável , do lógico, do razoável. um dia assim o cheiro vem inteiro, quente, mais cheio agora do que antes , quando só o sonho enchia os pensamentos até a boca. 0 que todo sentido anseia é a chegada do inesperado.
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´desejo a máquina
do tempo para que não
haja o havido
e eu recomece
misericordiosamente´
- Adélia Prado
as pessoas sensíveis são especiais. guardam a luz que a gente deixa cair quando as nossas mãos se fecharam em volta do coração. possuem uma aptidão diferente da maioria, conseguem sentir todos os matizes e todas as variações de cores e afetos, enquanto que a maioria apenas distingue o preto do branco. são aquelas que vêem uma "maria-sem-vergonha" a caminho de casa, que saboreiam os pequenos prazeres como grandes milagres da vida. também são aquelas que mais se entristecem com os atrocidades de todos os dias, que choram com o sofrimento dos mais fracos. são as pessoas sensíveis que conseguem eternizar tanto a Beleza como o Horror porque não esquecem, nunca
Se esquecem...
e o dia como amanhece? olhos de sonho, frestas, limiares? se expressar é isso, equilibrar olhos alheios sobre uma ponte frágil de tinta negra que avança linha a linha sobre os abismos da folha branca. entre o real e a invenção, está o que vemos, o que nos olha, aquilo que capturamos ou o que nos captura. ao capturar, aprisionamos, ou, inventando, liberamos? mas não me olhe assim tão fundo, o que ha é muito raso, muito claro, quase a flor da pele.
a questão toda não é se é ou não é, ou se é isso ou aquilo. segunda? terça? preciso pensar duas, três vezes para lembrar o dia, dificuldade que se estende aos meses, anos, datas. porém as páginas não vêm em branco. páginas nunca viram, não são portas para se fechar e passar a chave, nem são pontos finais. toda linha nova é ponta de novelo, é fio de trama. é auto-susto, alto custo. é espelho móvel, fixo sorriso. se olhar pra frente, porém, o lápis só vê
novos mundos...
a manhã conduzida por um fio de música
intenso e delicado
entre quebra-cabeças, poesias, filosofia
esquento o leite para aquecer o corpo
olho ao redor, uma bagunça.
contas com controles-remotos,
chaves com resto de cebola cortada,
roupas no chão com toalha molhada,
sapato virado com cama desarrumada
torneira pingando, moringa vazia,
detergente acabando, fim do mês chegando,
o desanimo me abraçando
e vem a chuva...
e vem você ...
amaciar minha terra
trazendo de volta a esperança
que há tempos a estiagem secou
mal fechei a porta e abri o envelope enorme, tirei a folha escura, larga, e a olhei contra a lâmpada, decifrando nos negros e cinzas o que o raio-x achou no meu peito. nem sinal da voragem, da labareda, da melancolia escancarada e voraz, da minha inquietude. nada a não ser fios cinzentos e mudos, sombras chapadas de carne e de ossos. tudo normal. indeletável imagem.
prefiro minhas mil palavras.
além de gripada ,estou saudosista. tempo bom de escola, onde o que te ensinam são contas que fecham, dois e dois que dão quatro, um x da questão que resolve o problema. não falavam que fica por tua conta lidar com a diferença, com os pontos fora da curva, escapar de conjuntos vazios. desafio mesmo é dividir o que se tem incomum. nada é definitivo, nada é um ponto final, nada é irreversível.....
ela se fecha dentro de casa. lá fora só havia pontos, dois pontos, reticências, resistências, nunca uma frase inteira, uma história com mais começo e menos fim. quis dar a volta ao mundo, viajar de mãos dadas, pegar arco-íris, se embebedar de sumo, acabar o vinho, secar o copo, dar uma festa bêbada de alegria. mas há os que sonham menos, a vida é de carne e osso, a poesia transborda como um afeto líquido, que não cabe em lugar algum, em tempo nenhum. é um rio num espaço exíguo.então, ela que não é de constranger, passeia dentro de casa. feito uma gata com sede, ou um cachorro com medo, um pássaro preso, uma fera no sótão. não é muito confortável seu esconderijo, mas não quer o ruído nem o silêncio dos que já partiram. se fosse lá fora, haveria sementes, a terra sulcada, a chuva ininterrupta, a exposição ao calor e ao frio, a promessa de renascimento. mas há dias em que se desiste da existência. pra que tanta insistência? quando tudo é dilacerante e claro: o amor que começa com um poema, termina com outro poema. e é bonito que seja assim.
a vida será sempre mais,
ainda que na imperfeição
do todo que a há de consumir
há o rasgo da espera
e a imutabilidade da esperança,
e há a constância da presença
que nos ergue e conduz
à fluorescência do olhar
sístole de um coração que bate.
somos pântano onde flutuam folhas caídas
na inexorável passagem dos dias
a irreversibilidade do tempo
-de novo se reconstruir...
diante de si o mar vocifera lindamente. decerto escorre-lhe a ira dos pecados dos outros. queixas que arremessam espuma de raiva, quiçá. qualquer natureza se indigna quando lhe tiram o chão, quando lhe cortam os pedaços de vida. ela ia devagarinho, pela sombra dos sorrisos, ou pela contracurva das emoções, de boca entreaberta. e, na quietude que se entardecia, expirava, então. sabia que o sol já não vai voltar a aparecer hoje. talvez nem amanhã. escurece um dia que foi cinzento e brando. arrefecido de emoções. pouco lhe resta de vida, apenas umas horas para acabar. até os dias sabem quando morrem. fica a impaciência de os viver, de os sofrer, de os agarrar. afastam-se as nuvens para deixar que o espetáculo comece sob o brilho que vem do quarto da lua. o dia vai debruçando-se na mar deixando um arco-íris de cristais d´água aliviando nossas (des)esperanças.
quando acontecia uma coisa bem boa, ela precisava conta para alguém; aliás, contar para vários alguéns, contar para o mundo. então, pegava o telefone e ia ligando, pela ordem de amizade, só que nem sempre o universo conspira a seu favor. outro dia, às 2h da tarde, teve uma boa notícia e correu para o telefone. na primeira chamada, atendeu a secretária eletrônica, mas nem deixou recado. na segunda, o celular estava fora de área, na terceira, ouviu um "não está dando para falar agora, te ligo mais tarde"; a partir daí, nem lembrava mais. só poderia contar sua alegria a alguém muito íntimo, e teve aí o primeiro susto: quantos amigos íntimos tinha? poucos, muito menos do que imaginava. e lembrou de seu pai e de sua mãe; os pais são as únicas pessoas que têm todo o tempo do mundo para nos ouvir e são solidárias não só nas nossas tristezas como também nas nossas felicidades. para não se deprimir reativou sua alegria no facebook antes que murchasse de vez....
posso te fazer esquecer este mundo parvo, que desrespeita o belo e deixa a vida sem graça. dá-me em troca três palmos desse corpo onde me esconderei e deturpo as pérfidas mensagens que estão acumuladas. o seu corpo é um continente estendido sobre meus devaneios, uma viagem em que se encontram pequenos portos. sei que sobre os seus olhos, de cílios espessos, os sonhos escondiam-se da luz e iam tremer levemente a cada toque [porque eram olhos intocados]. serviam para ver o mundo, mas estavam desacostumados a ficar assim fechados , cerrados como persianas [com o olhar guardado para um quarto íntimo]. imagino o que ele fará com os movimentos desconhecidos que brotavam dos meus dedos . pressões levíssimas, giros suaves , enquanto tensionava a garganta ou soltava um ai que poderia ser de prazer ou de angústia, se todos os sentimentos são possíveis quando despertados por toques da longa noite dos silêncios... óleos mágicos gotejavam feito água, pingos de ouro escorriam dos vidros como paisagens de aromas. que se prendem a mim como colagens. quero, quero-me, quero-te. haveria por ali um
campo de lavanda? ...foge-me a realidade.
enquanto juntos, sentia. e sorria. o amor vinha, sorria. e queria. numa fração de segundos tudo mudou. ela ri, como quem desespera. um choro ao revés. de quem sabe que o começo já é o fim. o tempo fecha. ela se lembra que era só sentir aquele cheiro de terra, começar a ouvir um ou outro pingo escapar do céu, que corria pra pedir: "pai, mãe, posso ir lá fora tomar chuva?". era tão simples. tão bom, tão fácil [e nunca pegou uma pneumonia]. mas algum dia, aí já não lembrava quando e nem lhe pergunte por quê algum dia não sabe como é que foi que passou a ter medo de se molhar....
uns tempos atrás, uma pessoa conhecida disse-me que estava aborrecida com a vida que levava no campo [era uma vida confortável e encontrava ali tudo o que precisava]. porém, não conseguia encontrar um "significado último" que desse sentido a tudo aquilo. quis explicar-lhe que assim era todo o lado. estranhamente, não consegui dizer qualquer palavra. pensei, pensei e filosofei:
- Todos os sucessos estão encadeados no melhor dos mundos possíveis. Por consequência, quem afirma que tudo está bem diz apenas uma asneira. É preciso afirmar que tudo vai pelo melhor. ( Voltaire)
nunca compreendi o "significado último" de nada e ela tampouco a minha "vã filosofia"....Sorrimos chegamos a conclusão de que tudo está certo, mas é preciso cultivar a nossa horta...
quando a esperança lhe invade os olhos, contagia. a nostalgia sempre lhe chega num pé de vento. ela suspira. pensa que deveria de ter uma tulipa tatuada nas costas [não faz mais falta isso], tem uma flor geminando na alma. quando expira, pólen. sabe adornar um vazio: esse poço antigo enlaçado de flores. alaranjadas. onde se mata o tédio. na mão aperta, com fé, uma estrela cadente [aprendizado que veio da avó]. risca no ar um desejo enquanto se desfaz. poeira lunar nos pés. raio de sol para fisgar novo dia. e um sopro suave para mudar o ar da noite. tira o laço vermelho que lhe apertava o peito, amarra nas bordas do dia. saia pespontada de horizontes. o pensamento branco, branco. uma paz inquieta escoando o orvalho desse novo dia. no céu, nuvens de filó. e a terra gira azul, azul, feito carrocel . sorri. o medo dança....
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´0 grito incontido
rasgando a mais
translúcida das folhas,
e tantos passos, tantos passos
abafando a lira do exílio´.
Maria Amélia Neto
os primeiros sons,
as primeiras imagens.
0 mundo nos é revelado.
rapidamente aprendemos as formas
[somos formatados].
compreendemos as palavras
[somos aprisionados].
conhecemos a regra
[nos arrancam os olhos].
hoje, nada mais conseguimos
ver e tudo nos parece banal.
mas o Tempo não para .
somos ensinados
a ir sempre em frente.
naquela noite não se abraçaram como amantes, mas como vítimas, vítimas libertadas. as palavras de amor que suspiravam entre beijos, quase inaudíveis, longe de aludir a um distanciamento fatal da vida cotidiana, pareciam antes celebrar o fim de uma tortura atroz, a suspensão de uma pena que os tinha mantido separados por uma eternidade. revidando um ritmo atravessado em garganta, cultuado ainda em dança em dança no âmbar dos seus anseios. dos teus olhos escuros escapavam a minha dança e sobram outros segredos...
quando mudou-se do interior para a cidade grande , se divertia brincando com as plantas dos anúncios de apartamentos dos classificados de imóveis. ela esticava o jornal na sala, folheava-o até encontrar e torcia para que um grande empreendimento estivesse em andamento, uma obra gigantesca que compensasse a publicação de uma planta numa meia página, colorida e detalhada. então, ela se transfigurava magicamente em uma estrelinha feita de papel colorido e passeava pelos cômodos da casa. fingia sentar-se na sala, ajeitando o que estivesse fora do lugar [sempre elegante e em silêncio], não queria ligar a tv, mas ler no sofá bebendo um suco de cranberry, com o hobby de seda sobre um babydoll romântico. depois, ia para a "cozinha americana" preparar seu almoço, e podia passar o resto do dia deitada no quarto de portas fechadas – ou abertas, não fazia diferença – porque seus irmãos não caberiam ali naquele espaço, nem sua mãe depressiva entraria abruptamente para se queixar de seus problemas, nem a filha chata da vizinha mancharia as cortinas brancas com as mãos sujas sabe-se lá de que comida gordurosa e fria. sentia-se livre na sua casa imaginária. hoje ela é bem sucedida, mora em Paris e sente saudade da menina encantadora que o sonho a transformava...
era um violão pousado numa casa cheia de amores-perfeito, no meio de uma tarde que corria em contra-luz. uma casa ressuscitada por um violão e uma voz incontida ao primeiro acorde. e depois, o despertar dos gestos e o calor que se acendeu apesar do frio e da arca envelhecida [provavelmente vazia e tão cheia de histórias]. e na janela maior flores inesperadas e mansas como o mar que corria perto. amores precisam dar a volta ao redor de si mesmo,
fechando o próprio ciclo....
desde dezembro que não a via. ela conta de um jeito melodramático que durante algum tempo ele a perseguia sem trégua. chegava a deixar comentários irados no seu blogue . depois ela o bloqueou do skype e email. mais tarde trocou de número de celular, para que ele não a incomodasse. "Foi então que ele me encontrou no facebook e começamos a falar
o entardecer entrava e espalhava reflexos dourados. esparsas e distantes chegavam-me vozes e na minha janela, tentava não adormecer. pode acontecer que ainda tenhamos tempo. pode acontecer que tudo se passe em câmara lenta. regressar a casa. querer encontrar as raízes e o sabor da sopa da infância, o toque que te fez amadurecer, palavras de carinho de quem te quer bem. isso te fará fechar o círculo da vida, da tua (ou não). reparas o sol , e provavel(mente) pensas ser igual ao de outros outonos, demasiado igual e preferes assumir que não quer fechar círculos, muito menos o da sua vida. e se o conforto do conhecido te invade o coração, com frio, equacionas se não queres esse frio todo e a nudez total, até que encontre respostas. baixinho digo que estou como você, nessa viagem, sem preparação para encontrar as pontas da linha, sem perspectivas de fechar círculos (do que quer que seja). e digo que o frio do inverno me vai agradar melhor que o sol do outono. vou te falar do frio do inverno, um dia destes. agora não.
[um filme [e livro] inspiradores, lindos feito a companhia dos filhotes ontem]